Salões de beleza, comércio de alimentos, papelarias, lojas de doces, lojas de cosméticos… de acordo com as entidades do comércio, são os pequenos empreendimentos que ditam o ritmo de crescimento do setor de comércio e serviços no Rio Grande do Norte. A contribuição é vista nos números: segundo dados divulgados pela Receita Federal, o RN arrecadou R$ 40,1 milhões no primeiro trimestre deste ano em Imposto sobre Comercialização e Serviços (ICMS) e Imposto Sobre Serviços (ISS) por meio do Simples Nacional – sistema de tributação das pequenas empresas. No mesmo período do ano passado, a arrecadação foi de R$ 35,5 milhões.
Pilares da economia nacional, os micro e pequenos negócios representam 97% das empresas abertas no Brasil. Para o professor Marcelo Bandiera, coordenador do Centro de Empreendedorismo da Universidade Potiguar (UnP), a exemplo do país, o RN tem uma clara vocação comercial. “É mais fácil montar uma pequena empresa, é muito mais fácil, hoje em dia, fazer um pequeno comércio. Indústria, comércio e serviços possuem a participação das pequenas empresas. O mercado tem espaço para todo mundo”, afirmou o professor.
A facilidade para abrir um novo negócio, porém, foi uma conquista recente. Em 2008, o Serviço de Apoio à Micro e Pequena Empresa (Sebrae) iniciou o pleito para a implantação de um sistema que facilitasse a formalização do microempreendedor. Dois anos depois nascia o Microempreendedor Individual (MEI), regulamentado pela lei complementar 128/2008. O projeto engloba a diminuição dos tributos para comércios que faturem até R$ 60 mil por ano. Além disso, a contribuição previdenciária também é reduzida, e garante a aposentadoria do pequeno empreendedor. Desde 2010, 3,5 milhões de pessoas deixaram a informalidade no Brasil. No mesmo período, o Sebrae/RN formalizou 43 mil pessoas.
Hoje, o RN conta com 107 mil empresas e 54,3 mil microempreendedores individuais. Para o gerente de orientação empresarial da unidade regional, Edwin Januário, a informalidade é uma escolha. “Ser informal hoje é meramente uma opção. Antes o que era difícil e complicado, agora é simples e barato. De imposto, o Microempreendedor Individual paga apenas R$ 1, se for comércio ou indústria. O que eles pagam de valor maior é a previdência social (INSS), que não chega a R$40. Para se formalizar não há custo nenhum, nem precisa de contador”, explica o gerente.
Sair da informalidade foi uma escolha da família de Rayane Gomes. Há 14 anos a família mantinha uma bodega informal no bairro Igapó. Em novembro de 2013, depois de fazer um curso de atendimento ao cliente no Sebrae/RN, Rayane resolveu levar a proposta da formalização para a família. Cinco meses depois eles davam o pontapé em um novo negócio: uma confeitaria na Cidade da Esperança, zona Oeste de Natal. Na formalização, Rayane não gastou nem tempo. “Fui lá com meu pai e alguns documentos. De manhã mesmo resolvemos”, conta.
Perda com informalidade chega a 30% da arrecadação
Dados da Secretaria Estadual de Tributação mostram que pelo menos 30% da arrecadação do ICMS é perdida por causa da sonegação fiscal, causada tanto pelo comércio ilegal quanto pela informalidade do pequeno empreendedor. Embora a parte mais visível da informalidade sejam os conhecidos camelôs – espalhados pelos principais centros comerciais, como Cidade Alta e Alecrim – o problema geralmente vai além disso. “Muitas vezes o empreendimento se formaliza, mas continua atuando na informalidade, ao não emitir nota fiscal. É o já conhecido “com nota ou sem nota?”, comenta o secretário estadual de tributação, José Airton da Silva. Para coibir a prática, a secretaria tem investido em fiscalizações ostensivas.
Já a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos iniciou, em 2013, o cadastramento dos camelôs da cidade. Ano passado foram cadastrados os comerciantes informais da Cidade Alta. No censo, foram identificados 172 ambulantes, dos quais 120 foram realocados para áreas específicas do centro, desocupando as calçadas e vias públicas. Em maio, os ambulantes – que já atuam com coletes de identificação da secretaria – ganham pequenos estandes nas calçadas, equipadas com luzes led e guarda sol. “Também começaremos o censo do Alecrim em maio”, informa a secretária adjunta da pasta, Fátima Lima. A fiscalização da secretaria nas ruas é feita apenas do meio-dia às 16h, e tem apenas caráter normativo. “Nós notificamos e orientamos. Só pretendemos fazer fiscalizações ostensivas depois dos censos”, acrescenta.
Garantia de crescimento
Para o presidente da Federação do Comércio, Bens e Serviços do RN, Marcelo Queiroz, o microempreedor que deseja se formalizar ainda enfrenta uma barreira: a burocracia. De acordo com estudo feito pela ONU, o Brasil é o país em que o empreendedor perde mais tempo com questões de ordem burocrática: 108 dias inteiros por ano.
“Não há como manter a competitividade das empresas em um país onde chegamos a gastar 2600 horas com burocracia. Além disso, vivemos num ambiente de insanidade tributária e fiscal que obriga o contribuinte brasileiro a trabalhar mais de quatro meses por ano somente para pagar tributos”, diz Queiroz. Um estudo feito pela federação mostra que a carga tributária brasileira chegou a 36,42% em 2013, a maior registrada desde o governo de José Sarney, quando chegou a 22,39%.
A cobrança de tributos às empresas é feita de acordo com o rendimento. Micro e pequenas empresas, com rendimento anual de até R$ 3,6 milhões, se enquadram dentro da lei do Simples Nacional, em que há uma redução e simplificação na quantidade de tributos devidos ao Governo. À medida que as empresas crescem, porém, a continuidade dentro do sistema vai ficando mais complexa.
Para o presidente da Fecomercio, o país precisa repensar a sua legislação tributária e tirar a reforma do papel. O início dessa mudança deve entrar na pauta de discussões do Congresso Nacional ainda neste mês. A atualização da Lei do Micro e Pequeno Empreendedor vai aumentar o teto de faturamento das empresas de R$3,6 milhões para R$4,32 milhões, fazendo com que um espectro maior de pequenos empresários tenha mais facilidade em contribuir. “As reformas constitucionais, tão debatidas e cobradas, precisam sair do papel”, finaliza Queiróz.
“Eu gosto de expandir e de crescer”
Geandro Lopes da Silva, de 28 anos, trabalha desde que se entende por gente. Ainda pequeno, ajudava a mãe a vender carvão e cortar lenha para fazendas. Aos 17 anos, tinha apenas o ensino fundamental completo. O emprego como forneiro em uma padaria, porém, transformaria a mentalidade do rapaz que hoje comanda a Dom Geandro Dolci, empresa especializada no fornecimento de doces e salgados finos para os maiores restaurantes de Natal. O caminho até lá foi longo. Trabalhou de forneiro, na doceria de padaria, fez curso de qualificação Senac e desde então não parou mais. Em 2011, abandonou a promissora carreira em uma gigante do setor de alimentos e engatou o próprio negócio. Começou a produção com liquidificador e batedeira domésticos e até pedia dinheiro antecipado aos clientes para produzir. Após um ano de informalidade, virou Microempreendedor Individuail (MEI).
“A formalização veio pela necessidade. Precisava de nota, CNPJ para poder crescer. Quem trabalha informalmente não consegue nada. Nem financiamento, nem organização”, conta. A pequena fábrica de doces, que funciona no Jardim Lola, em São Gonçalo do Amarante, já conta com 100 clientes regulares. Há dois meses, Geandro deu entrada no processo para se tornar microempresa (ME) para comportar o aumento do quadro de funcionários e o crescimento da renda. Para ele, a dificuldade para a pequena empresa é a tributação, mas que é apenas um obstáculo a ser enfrentado pelo crescimento que ele ainda busca. “A gente não deve ser realizado nunca. Quem é empreendedor de verdade está sempre procurando problemas.”
Fonte: Tribuna do Norte
07/05