Com um otimismo de causar inveja a grandes empresários, um milhão de brasileiros vai abrir um negócio próprio neste ano. Saiba por que
O atual cenário econômico é desanimador. A retração de 0,2% do PIB no primeiro trimestre, a inflação anual de quase 8,5%, a queda do consumo e a elevação do desemprego levaram as grandes empresas do País a pisar no freio dos investimentos e a cortar custos. Há, no entanto, um contingente enorme de brasileiros que têm o sangue empreendedor correndo pelas veias e conseguem enxergar oportunidades na crise. Segundo o Sebrae, um milhão de micro e pequenas empresas serão abertas neste ano, gerando o maior saldo de companhias em funcionamento em uma década. São negócios de porte reduzido, mas que geram a maior parte dos empregos do País e, quem sabe, são os embriões das empresas gigantes do futuro.
O sonho do negócio próprio tem ao menos dois caminhos possíveis: começar do zero, com a cara e a coragem, ou abrir uma franquia de alguma empresa estabelecida. Ambos exigem capital próprio e muita dedicação dos empreendedores. Os cunhados Pedro Barros e Alan Rios, de São Paulo, preferiram a primeira opção e investiram em uma hamburgueria. A casa será inaugurada, em agosto, na região de São Mateus, extremo leste de São Paulo, onde habitam muitos dos consumidores na nova classe média brasileira. Com ou sem crise, eles não se intimidaram e já olham longe.
“Sabemos das dificuldades econômicas e só prevemos lucro real em 2017”, diz Barros, que utilizou um terreno da família para montar o negócio. “Porém, quando a economia estabilizar, nós já estaremos à frente dos concorrentes que surgirão.” Em tempos de alta dos juros, a maioria dos empreendedores, a exemplo de Barros e Rios, tem evitado buscar recursos nos bancos. Isso é fundamental para manter o fluxo de caixa saudável enquanto a crise não passa. Em tese, quem tem um endividamento elevado corre um risco maior de engrossar uma cruel estatística do SEBRAE: 26% das empresas fecham durante os dois primeiros anos.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas por quem abre o próprio negócio é desinformação. “Muitas empresas fecham em poucos anos de vida por falta de conhecimento de mercado, concorrentes e consumidores”, diz Marcelo Moreira, coordenador de pesquisas do Sebrae-SP. A crise global de 2009 em diante deixou muitas vítimas pelo caminho, mas também gerou bons exemplos de empreendedores. Como Alex Todres e Bob Rossato, fundadores da empresa on-line de turismo ViajaNet. Eles trabalhavam juntos em uma companhia de turismo e perceberam falhas no diálogo e nas condições oferecidas aos consumidores da classe C, que floresceu nos últimos anos.
Mesmo com as dificuldades econômicas da época, Rosseto e Todres não tiveram problemas em encontrar fundos de investimento para apoiar o empreendimento e os resultados não demoraram a aparecer. Em apenas dois anos, a empresa passou a faturar R$ 200 milhões, dobrando esse volume nos dois anos seguintes. Já em 2013, prevendo que o cenário econômico iria se deteriorar, eles pisaram no freio, centralizaram a gestão da empresa e enxugaram a equipe. “Estávamos crescendo muito rápido e queríamos deixar a ViajaNet mais sólida para enfrentar a crise que se aproximava”, afirma Todres.
Agora, apesar da desvalorização cambial, eles crescem num ritmo de 30% ao ano, graças a pacotes promocionais para Miami e Nova York. “Vimos concorrentes nossos desesperados para conseguir levantar dinheiro”, diz. Um estudo desenvolvido pelo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), em parceria com o Sebrae e o Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), no ano passado, apontou que três em cada dez brasileiros adultos entre 18 e 64 anos possuem uma empresa ou estão envolvidos com a criação de um negócio próprio. É o maior número de todos os tempos.
A maior motivação de empreender ainda é a oportunidade (70%), e não a necessidade (30%). Para quem precisa de um empurrãozinho financeiro, os fundos de capital empreendedor, conhecidos como venture capital, estão com os cofres cheios. “A crise econômica não diminui o nosso apetite”, diz Anderson Thees, sócio da Redpoint e.ventures, que investe em startups de tecnologia. “As necessidades do País continuarão existindo, gerando oportunidades.” Mesmo com um progressivo amadurecimento do mercado, empreender no Brasil ainda é um desafio e tanto.
O consumidor tem se mostrado cada vez mais cauteloso e a sua confiança está 18,6% menor em relação ao início de 2014, segundo a Fecormercio-SP. Diante desses obstáculos, lucram aqueles que detectam segmentos com baixa oferta e criam produtos que geram diferenciais, como melhorar a qualidade de algum serviço ou reduzir custos dos clientes. “Além da oportunidade, é preciso ter técnica de inovação para oferecer algo realmente útil”, diz Tales Andreassi, vice-diretor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP. A Clicksign e a Check Express, do setor de tecnologia, são exemplos bem-sucedidos dessa estratégia.
Com uma equipe de sete pessoas, a Clicksign, fundada em 2013 pelos sócios Marcelo Kramer e Michael Belfer Bernstein, facilita a assinatura de contratos pelo meio digital, o que reduz despesa, burocracia e tempo de executivos. “Estamos em um negócio anticíclico, que oferece custos menores para as companhias”, diz Kramer. Já a Check Express, que oferece consultas de crédito e serviços de e-ticket para empresas de varejo, investiu R$ 30 milhões em novos produtos no ano passado. A ideia é oferecer dados sobre o comportamento dos consumidores.
“Um dos segredos em tecnologia é entender o ciclo de vida de cada produto e o que devemos fazer para agregar valor”, diz José Mario Ribeiro, fundador e presidente da empresa. Para muitos empreendedores, o caminho mais fácil e seguro de abrir o próprio negócio é pelo sistema de franquias, que oferecerem suporte, marketing, estrutura e carteira de clientes. Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o setor está crescendo quase 10% neste ano. Em 2014, o faturamento das franquias cresceu 7,7%, para R$ 127 bilhões. “Neste cenário de desemprego, a franquia passa a ser uma opção para quem não consegue se recolocar no mercado”, diz André Friedheim, diretor da ABF.
Os segmentos mais aquecidos são os voltados para as áreas de serviços, como estética, academias, educação e alimentação. “Mesmo em épocas de crise, os brasileiros ainda gastam dinheiro para se cuidar”, diz Friedheim. Ele cita como exemplo de sucesso as franquias Smartfit, de academia, e Onodera, de estética. Dona da marca e da clínica VS, a empresária Vanessa Silveira, de São Paulo, atua há dez anos no segmento de estética. Sua técnica é a micropigmentação, trazida da Alemanha, que esconde defeitos na pele. No ano passado, Vanessa sentiu necessidade de expandir seus negócios.
“Clientes vinham de vários locais do Brasil fazer o tratamento e me pediam para abrir a clínica em outras regiões”, diz. Após um ano realizando cursos, transformou a clínica em uma rede de franquias, com quatro unidades em São Paulo, Porto Alegre e Campo Grande (MS). A expectativa é chegar a 15 até o final deste ano. “Eu trato pessoas com queimaduras, vitiligo, cicatrizes”, diz Vanessa. “Não há época ou dinheiro que as façam parar de se cuidar. Basta garantirmos o resultado.”
O especialista em franchising Marcelo Cherto afirma que não há tempo ruim para empreender, desde que o negócio esteja maduro e seja estudado com cautela. Deve-se considerar as vantagens e desvantagens. Embora as franquias sejam consideradas mais difíceis de quebrar, elas podem dar prejuízo e dor de cabeça, principalmente quando abertas numa onda de empolgação do mercado. “Quando você vê várias lojas que oferecem o mesmo produto em um mesmo lugar, pode desconfiar”, afirma. “As pessoas devem investir em algo que irá acrescentar, e não apenas somar.”
Fonte: IstoÉ Dinheiro, por Paula Bezerra