A Medida Provisória nº 627, publicada em 11 de novembro de 2013, entre outras significativas alterações que introduziu na legislação tributária, cuidou de uniformizar o conceito de receita bruta para os tributos incidentes sobre a renda (IRPJ e CSLL) e sobre a receita (PIS e Cofins).
Para tanto, deu nova redação ao caput do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77 – que teve por escopo “adaptar a legislação do imposto sobre a renda às inovações da lei de sociedades por ações” -, passando a estabelecer que receita bruta compreende não só o produto da venda de bens nas operações de conta própria e o preço dos serviços prestados, mas, também, o resultado auferido nas operações de conta alheia e as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, à semelhança do que já previam o art. 31 da Lei nº 8.981/95 – agora revogado pela MP 627/13 – e alguns artigos do RIR/99.
Assim, os diversos dispositivos que tratam da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, previstos nas Leis nº 9.249/95, 9.430/96, 9.718/98, 10.637/02 e 10.833/03, também foram alterados e, de agora em diante, ao se referirem ao termo receita bruta, passam a fazer referência ao art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77.
A Medida Provisória nº 627 inovou ao determinar a inclusão, na receita bruta, dos tributos sobre ela incidentes
Todavia, a MP nº 627 inovou ao determinar a inclusão, na receita bruta, dos tributos sobre ela incidentes (parágrafo 5º do art. 12, Decreto-Lei nº 1.598/77). Haverá, desse modo, a inconstitucional ampliação da base de cálculo das contribuições ao PIS e à Cofins e do IRPJ e da CSLL para as empresas optantes pelo lucro presumido.
Com efeito, o conceito constitucional de receita não permite este alargamento, uma vez que, da análise dos dispositivos constitucionais, é considerada receita o ingresso de valores que se incorporam positivamente ao patrimônio do contribuinte. No mesmo sentido, de acordo com o Instituto de Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), tem-se que, contabilmente, receita é “(…) a entrada bruta de benefícios econômicos durante o período que ocorre no curso das atividades ordinárias da empresa, quando tais entradas resultam em aumento do patrimônio líquido, excluídos aqueles decorrentes de contribuições dos proprietários, acionistas ou cotistas” (NPC 14), conceito que é seguido pelo Conselho Federal de Contabilidade na NBC T 19.30, aprovada pela Resolução nº 1.187/00.
Logo, se os tributos incidentes sobre a receita bruta não representam ingresso positivo de valores ao patrimônio, não podem, evidentemente, compor a receita bruta, sob pena de incorrer em inconstitucional aumento da base de cálculo destes tributos, além de ferir o art. 110 do Código Tributário Nacional, por alterar o conceito constitucional de receita.
Além do inconstitucional alargamento da base de cálculo, a inclusão, na receita bruta, dos tributos sobre ela incidentes provoca uma espécie de “incidência tributária recíproca” entre os diversos tributos que a possuem como sua base de cálculo. Isto porque, ao incluir-se, na receita bruta, os tributos sobre ela incidentes, faz-se com que, axiomaticamente, o PIS e a Cofins componham a base de cálculo do IRPJ e da CSLL das empresas optantes pelo lucro presumido e vice-versa, já que todos possuem a mesma grandeza econômica – receita bruta prevista no art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598/77.
Noutras palavras, ao incluir na receita bruta os tributos sobre ela incidentes, o texto legal permite, por exemplo, que na base de cálculo da COFINS incluam-se o PIS, o IRPJ e a CSLL (lucro presumido), bem como que na base de cálculo do IRPJ (lucro presumido) incluam-se o PIS, a Cofins e a CSLL (lucro presumido) e assim por diante, numa clara demonstração de que haverá a incidência de um tributo sobre o outro, o que não é permitido pelo nosso ordenamento jurídico.
A inconstitucionalidade desta incidência recíproca de tributos sobre a receita, conquanto seja semelhante, mostra-se ainda mais flagrante que a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, cuja questão, aliás, ainda aguarda definição no Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário nº 240.785 e ADC nº 18).
Ora, se o ICMS – que compõe o preço do produto e transita provisoriamente nos cofres da empresa – não pode ser considerado receita, pois não representa ingresso positivo de valores ao patrimônio, com muito mais razão não se pode considerar como receita os valores dos tributos sobre ela incidentes, já que, nesse caso, tais valores sequer ingressam na empresa, por não comporem o preço do produto ou serviço.
Na verdade, os tributos incidentes sobre a receita não representam ingresso positivo, mas decréscimo patrimonial para a empresa, daí porque não poderem ser considerados como receita.
E não bastasse a incidência recíproca de um tributo sobre o outro, o novo conceito de receita bruta dará ensejo, ainda, ao chamado cálculo por dentro, pois haverá a inclusão do tributo incidente sobre ela – receita bruta – na sua própria base de cálculo, o que também não pode ser admitido.
Vale registrar que, apesar de terem sido apresentadas 513 emendas à MP nº 627/13, no relatório entregue pelo relator, deputado Eduardo Cunha, este alargamento da base de cálculo foi mantido.
Portanto, caso não seja aprovada desta forma e não sofra vetos da presidente Dilma, restará aos contribuintes, mais uma vez, apenas a adoção de medidas judiciais para afastar a inconstitucional ampliação da base de cálculo dos tributos incidentes sobre a receita bruta.
Fonte: Valor Econômico – 28/03/2014
Por Carmino De Léo Neto
Carmino De Léo Neto é sócio do escritório De Léo, Paulino e Machado Advogados, especialista em direito tributário