Processadoras de folha de pagamento, como a ADP e a recém-criada Paychex Semco, querem crescer no mercado ainda inexplorado das milhões de pequenas e médias empresas do Brasil. Para conseguir isso, elas se lançaram a uma difícil tarefa: persuadir os escritórios de contabilidade, que hoje processam a folha da imensa maioria das PMEs, a terceirizar o serviço, coisa que muitos dizem que não pretendem fazer.
As prestadoras de serviço acreditam que o eSocial — o novo sistema do governo que exigirá a transmissão de dados trabalhistas praticamente em tempo real — vai aumentar a complexidade da folha de pagamento, levando os escritórios a renegociar custos e responsabilidades com seus clientes.
“A Paychex está entrando no Brasil no momento em que a indústria vai ter uma ruptura”, diz Luiz Henrique de Oliveira, diretor-presidente da Paychex Semco Soluções em Folha de Pagamento Ltda., uma sociedade formada ano passado entre a americana Paychex Inc. e a firma brasileira de investimentos Semco Partners.
A ADP e a Paychex querem aproveitar essa esperada sacudida na relação entre clientes e contadores para convencer estes últimos das vantagens de passar para elas o processamento da folha de pagamento. Segundo a ADP e a Paychex, as empresas ganhariam um nível de serviço que só um provedor especializado tem condições de oferecer, enquanto os contadores ficariam livres para se concentrar exclusivamente na contabilidade.
Conquistar os contadores é uma estratégia vital para a ADP e a Paychex por causa da grande dispersão do mercado de PMEs. Segundo o IBGE, o Brasil tinha 5,1 milhões de empresas e outras organizações com até 99 funcionários no fim de 2011, último ano para o qual há dados disponíveis. Essas entidades, que representam 99,1% do total de empresas e outras organizações do país, empregavam 16,8 milhões de assalariados, ou 37,1% do total. Por outro lado, havia 82.529 organizações contábeis registradas no Conselho Federal de Contabilidade no fim de abril, sendo perto de 25% no Estado de São Paulo, segundo dados do CFC.
Considerando que mesmo um escritório de contabilidade pequeno pode processar a folha de dezenas de empresas, os contadores se tornam a maneira mais rápida de se chegar ao mercado em grande escala, diz Marcelo Bento, diretor de vendas da ADP Brasil Ltda., que processa um total mensal de 780.000 contracheques para 3.200 empresas, sendo cerca de 1.000 no segmento de PMEs (que ela define como empresas com até 249 funcionários). A receita da ADP com PMEs cresceu 48% nos últimos seis meses e já representa cerca de 16% do seu faturamento no país (que ela não revela). A meta é dobrar essa receita em três anos.
Vários contadores, entretanto, dizem não ver nenhuma razão para terceirizar um serviço que fazem há muito tempo e que o empresário se acostumou a receber deles.
“Eu não tenho a menor necessidade de terceirizar porque não tenho a menor dificuldade de fazer a folha”, diz Sérgio Approbato Machado Júnior, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis de São Paulo (Sescon-SP) e sócio do escritório Approbato & Fischer Contabilistas Associados, que tem em torno de 220 clientes com um total de 5.200 funcionários.
E por mais que a ADP e a Paychex afirmem que querem colaborar, e não concorrer, com os escritórios, vários contadores dizem que será difícil para elas interferir na estreita ligação que sempre existiu no Brasil entre o pequeno empresário e seu contador, que, quando não um amigo, é geralmente uma pessoa de extrema confiança.
“É como o médico da família”, diz Approbato.
Os escritórios vão se adaptar ao eSocial, dizem ele e outros contadores, assim como se adaptaram aos módulos anteriores do Sped, o Sistema Público de Escrituração Digital, pelo qual dados contábeis e fiscais das empresas já são transmitidos eletronicamente para o governo.
“Quando entrou o Sped contábil, no primeiro momento eu achei que a gente ia arriar. Hoje, virou rotina”, diz Reinaldo Caseiro Vicente, gerente geral da Publicont Serviços Contábeis, um escritório de contabilidade de São Paulo que processa a folha de quase 60 empresas com uma média de cinco a seis funcionários cada. Ele acrescenta que acredita estar preparado para o eSocial graças ao treinamento que seus funcionários receberam do Sescon-SP e da Wolters Kluwer Prosoft, fornecedora do software de folha de pagamento que o escritório usa.
O eSocial, que passará a ser obrigatório para a maioria das pequenas empresas a partir de janeiro, é a última etapa do Sped e vai consolidar os registros dos chamados eventos trabalhistas, como contratações, avisos de férias e acidentes de trabalho, numa única plataforma on-line, eliminando uma série de documentos que hoje as empresas são forçadas a gerar. O objetivo, diz o governo, é simplificar o cumprimento das obrigações trabalhistas, dificultar fraudes e garantir os direitos do trabalhador.
Várias pessoas do mercado dizem que, passados os percalços da implantação, o eSocial vai realmente trazer mais eficiência e promover uma competição mais justa. Mas elas também alertam que o volume de dados, a frequência das transmissões e a necessidade de gerenciar essa comunicação com o governo vão impor custos e desafios tecnológicos às empresas e aos escritórios de contabilidade. Além disso, a maior transparência das informações vai facilitar a fiscalização pela Receita e outros órgãos, possivelmente aumentando as chances de as empresas serem autuadas em caso de erros.
A Receita Federal, através de sua assessoria de imprensa, afirma que o sistema “terá como efeito diminuir o risco de autuação por meio de regras de validação e uma comunicação de maior qualidade”.
Ainda assim, a ADP e a Paychex afirmam que podem tirar um peso das costas do contador ao compartilhar com ele a responsabilidade pela comunicação com o eSocial e automatizar a entrada dos dados trabalhistas em sistemas on-line. A ideia, diz Oliveira, da Paychex, é evitar os erros decorrentes das transferências, hoje comuns, de informações entre empresas e contadores via e-mail, telefone e documentos.
A Paychex afirma que tem a meta de conquistar 5% do mercado de empresas com até 99 empregados, o que geraria uma receita anual estimada por ela em US$ 375 milhões. A empresa começou a operar na grande São Paulo em outubro e em junho pretende entrar na região de Belo Horizonte. No fim de abril, ela já tinha fechado contrato com 15 escritórios de contabilidade com um total de 1.675 clientes, diz Oliveira.
Profissionais do setor dizem que a terceirização da folha poderá se tornar uma boa opção para escritórios de contabilidade menos estruturados ou aqueles que prestam o serviço só como uma condição para fazer também a contabilidade do cliente. É o caso do PVS Contábil, um pequeno escritório de São Paulo que atende, na maioria, profissionais autônomos. Ele vem desde outubro usando os serviços da Paychex para processar a folha do próprio escritório e dos seus poucos clientes que têm funcionários.
“Sou um contador que não gosta de folha. Tem muitos por aí,” diz o proprietário, Paulo Vicente da Silva.
Ele diz estar satisfeito com a tarifa mensal de R$ 23 que a Paychex cobra por funcionário. Muitos escritórios, por sua vez, cobram das empresas uma tarifa pelo pacote inteiro de contabilidade, tributo e pessoal e têm empregados dedicados a cada uma dessas áreas.
Uma pesquisa do Sescon de São Paulo realizada em 2012 com 402 firmas contábeis do Estado mostrou que elas tinham uma média de onze empregados e processavam os holerites de, em média, 494 funcionários dos clientes. Cerca de 45% tinham mais de um empregado designado à área de pessoal, que inclui a folha de pagamento.
Ao apostar suas fichas no segmento de PMEs, as prestadoras de serviço têm em mente o que aconteceu nos Estados Unidos, onde, no passado, os escritórios de contabilidade também costumavam cuidar da folha de pagamento das empresas, mas foram gradualmente substituídos pela ADP Inc., a Paychex e outros provedores especializados.
“Originalmente, pequenas firmas de contabilidade forneciam serviços de folha de pagamento, mas, à medida que a tecnologia evoluiu, as firmas não tiveram as economias de escala para oferecer preços baixos”, diz James Medlock, diretor de educação e treinamento da Associação Americana de Folha de Pagamento (APA).
De fato, antes de fundar, em 1949, a empresa que se tornaria a ADP, Henry Taub trabalhou para um pequeno escritório contábil, onde observou as dificuldades que os clientes tinham com a folha. Hoje, a ADP afirma processar o pagamento de um em cada seis assalariados americanos. Já a Paychex fechou maio de 2013 com 570.000 clientes nos EUA.
Fonte: COMUNICAÇÃO CFC, 14/05/2014
Por LUIS GARCIA, The Wall Street Journal

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