Direito garantido a todo trabalhador com carteira assinada, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) tem apresentado crescente sonegação nos últimos anos. Apenas em 2018, o extinto Ministério do Trabalho recuperou, através de fiscalizações, R$ 5,2 bilhões de FGTS não recolhidos – um aumento de 23,6% se comparado ao valor recuperado no ano anterior (R$ 4,23 bilhões).
Os números ficam ainda mais nítidos se comparados a 2016 e 2015, quando a Inspeção do Trabalho recuperou, respectivamente, R$ 3,1 bilhões e R$ 2,2 bilhões não recolhidos.
Visando frear o nítido aumento da sonegação, o Governo Federal adotou novas restrições às empresas devedoras, proibindo as instituições de créditos particulares a realizar operações de financiamento lastreadas com recursos públicos a estas empresas, bem como a conceder outros benefícios característicos (dispensa de juros, de multa e de correção monetária).
A nova medida foi definida através da Lei 13.805/2019, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro nos primeiros dias de seu mandato. O texto em questão altera a Lei 9.012/95, que proibia apenas as instituições de crédito públicas – como a Caixa Econômica e o Banco do Brasil – a realizarem tais operações e benefícios às empresas sonegadoras.
Segundo o autor da Lei, senador José Pimentel (PT-CE), a nova legislação enaltece a livre concorrência e torna o ambiente competitivo mais justo, fazendo com que instituições públicas e privadas tenham os mesmos direitos e restrições.
Mas há uma explicação plausível para o considerável crescimento na sonegação do FGTS?
Para o advogado Daniel De Lucca e Castro, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia, o custo da mão-de-obra e a crise financeira vivenciada pelo país são as principais causas da crescente sonegação.
“Tais fatores muitas vezes obrigam o empregador a literalmente escolher qual obrigação cumprir”, destaca. “Como o FGTS não é destinado diretamente para o ‘bolso’ do trabalhador, mas sim para a sua conta vinculada, cujo recebimento é condicionado a condições específicas, costuma ser a obrigação escolhida”.
George Pinheiro, presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresarias do Brasil (CACB), vai de acordo com o pensamento de Lucca e Castro e classifica o momento econômico vivenciado no país como determinante para a sonegação. “Acreditamos que a empresa não é devedora porque não quer pagar”, defende. “O empresário não quer burlar o Fisco ou os encargos sociais, como o FGTS e o INSS, por exemplo. Ele também é vítima”.
Segundo ele, o Fisco deve trabalhar em conjunto com os empresários, e não na contramão dos mesmos. “O Governo deveria ter maneiras de negociar, parcelar estes débitos, para a empresa ter um compromisso de pagá-los”, argumenta. “De modo que ela não acabe prejudicada, podendo ter acesso a financiamentos. Restringir só fortalece a inadimplência”.
Verdade seja dita, porém, que a respectiva legislação não restringe empréstimos bancários quando o objetivo dos mesmos é a quitação do FGTS devido.
Por fim, Pinheiro destaca o entusiasmo com o novo período político que se inicia no país, mas salienta que medidas de refinanciamento de dívidas tributárias ainda não são pauta do novo escalão do Governo.
“Tenho estado presente nas reuniões com o Paulo Guedes (ministro da Economia) e o Marcos Cintra (secretário da Receita Federal), mas em nenhum momento foi tocado no assunto de um Refis”, esclarece. “Hoje o Governo tem outras prioridades, mas logo este assunto será melhor analisado pelas partes”.
Trabalhador deve acompanhar depósitos para evitar futuras surpresas
Como o próprio nome já sugere, o FGTS é um fundo de garantia para o trabalhador, que por sua vez é sacado pelo mesmo em eventuais emergências ou necessidades cruciais. Desta forma, podemos afirmar que a sua sonegação tem uma única vítima: o próprio trabalhador.
“Há casos específicos em que a legislação autoriza o saque dos valores depositados a título de FGTS, independentemente da demissão imotivada ou do reconhecimento judicial da rescisão indireta do contrato de trabalho”, explica Lucca e Castro. “Tratamento de saúde, compras ou reforma de imóvel são alguns destes casos. Desta forma, não estando regulares os depósitos, há claro prejuízo ao trabalhador, que não pode ter acesso aos valores”.
Para ele, a nova legislação é positiva, pois garante que o direito vital ao trabalhador não seja violado pelas empresas. “Creio que o objetivo da nova legislação é, de fato, diminuir o índice de sonegação”, argumenta. “Ela certamente fará com que as empresas se esforcem para manter em dia a regularidade dos depósitos fundiários, beneficiando os trabalhadores”.
Apesar disso, Lucca e Castro acredita que a medida não deve erradicar completamente a sonegação e aconselha os trabalhadores a fiscalizarem os depósitos realizados.
“O trabalhador deve acompanhar mensalmente os depósitos em sua conta vinculada”, recomenda. “Não estando regulares, pode e deve acionar o judiciário, e isso é possível mesmo com o contrato de trabalho em curso, visando o recebimento dos valores. Outras alternativas são, também, um entendimento diretamente com o empregador, ou ainda por meio de seu sindicato de classe”.
Além disso, a implementação do eSocial em todas as esferas empresariais aumentará o poder de fiscalização do Governo sobre as obrigatoriedades das empresas para com seus funcionários, com isso espera-se uma gritante redução na sonegação às cegas.
Fonte: Contabilidade na TV