São Paulo – A reforma tributária dificilmente será aprovada antes do término do mandato do presidente Michel Temer, em 2018, diante da indisposição do governo federal em compensar os estados pelas possíveis perdas de receita com a unificação das alíquotas dos entes.
“A União não tem recursos para compensar os estados. E essa é uma das razões pela qual nunca se fez uma reforma do ICMS [Imposto sobre a Circulação de Bens e Serviços] para transformá-lo em um IVA [Imposto sobre o Valor Agregado]. Não há dinheiro e nem interesse. Porque a União vai compensar as unidades da federação por uma mudança nos impostos que são dos estados?”, avalia o sócio do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) Isaias Coelho.
A programação do poder Executivo é apresentar uma proposta de reforma tributária ao Congresso Nacional no segundo semestre e colocá-la em votação após a tramitação da reforma da Previdência Social.
Enquanto os estados que perderão receita não abrirão mão de um ressarcimento por parte do governo federal, este, por sua vez, não deve querer desembolsar recursos, principalmente neste momento em que tem a meta de cortar despesas.
“O que pode acontecer neste governo é um alinhamento da proposta. Esta ainda precisa ser objeto de muita discussão. Agora, o tempo de aprovação é algo político. É preciso encontrar uma solução intermediária, que atenda aos estados e à União”, acrescenta Isaias.
Em um debate na cidade de São Paulo neste mês, o sócio-diretor da CAC Consultoria Política, José Luciano de Mattos Dias, reforçou que a reforma tributária só sairá se a União tiver disposta a negociar com os estados. “Esta aprovação depende mais da coragem do governo federal do que do Congresso”.
Detalhe do projeto
O texto-base com o qual o Palácio do Planalto trabalha para fazer a reforma, desenhado pelo deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) – que também é relator da proposta na Câmara – prevê a criação de um IVA para os estados, a partir da junção e da consequente extinção do ICMS, do Imposto sobre Serviços (ISS), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Salário Educação e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).
Isaias, do CCiF, explica que a proposta de Hauly resolve o problema da perda global de receita dos estados, mas não o imbróglio distributivo que envolve a alíquota do ICMS. O relator sugere que os entes sejam ressarcidos, nos cinco primeiros anos de implementação da reforma, de acordo com a previsão de receita do ano anterior ou da média dos últimos dois anos. Esses recursos viriam do IVA e do Imposto de Renda (IR).
“Nesse caso, globalmente, não há perda de receita. O que você não consegue fazer é a distribuição de arrecadação igual a que temos hoje. Por exemplo: atualmente. se você é de Minas Gerais e compra um produto em São Paulo, 12% do ICMS fica em São Paulo e o restante em Minas (6%). Com o IVA, tudo ficaria em Minas, porque a reforma presume que o imposto fique no estado de destino. É isso que ainda não está resolvido no texto do Hauly”, ilustra Isaias, do CCiF. Esta instituição vem trabalhando em uma proposta para solucionar a questão distributiva. Isaias explica que a ideia do CCiF é criar um novo imposto com uma alíquota pequena, de 1%, por exemplo.
“Este imposto não é para aumentar a arrecadação, é para arrecadar a mesma coisa. Você diminui um pouco o ICMS, o ISS, para poder elevar este novo imposto. A proposta é ir mudando essas alíquotas ano a ano, até as bases de cálculo irem convergindo para o IVA”, explica Isaias.
Outra ponderação que ele faz é com relação à sugestão de Hauly de transferir a PIS e a Cofins para os estados. “Este é um ponto complicado, porque a PIS e a Cofins são o segundo maior imposto do País. É uma receita muito importante para a União que é destinada aos fundos de seguridade social”, considera.
Já o tributarista Pierre Moreau, do Moreau Advogados acredita que a reforma tem chances de sair até o próximo ano. “Havendo uma regra de transição, os estados e a União vão se ajustar. Ninguém acreditava que a reforma da Previdência poderia ser colocada em pauta e agora ela está em tramitação”, opina Moreau.
Já o vice-presidente técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Zulmir Breda, avalia que a relação entre os entes estaduais e a União já está desgastada com o processo de renegociação da dívida dos estados e que, por enquanto, não há clima para esta reforma.
“É um ponto complexo, porque ao mesmo tempo em que a União precisa fazer ajuste fiscal, é legítimo que os estados pleiteiem os créditos da Lei Kandir, por exemplo”, afirma Breda.
Esta lei, implementada em 1996, isentou o ICMS das exportações de produtos primários, semielaboradas ou serviços.
Em entrevista ao DCI, o advogado-geral do Estado de Minas Gerais, Onofre Alves Batista Júnior, disse que o ente não abrirá mão dos créditos da Lei Kandir, cujo montante o colocaria em uma posição de credor do governo federal. Segundo ele, as perdas da Lei Kandir correspondem a R$ 135 bilhões, ao passo que a dívida mineira com o governo federal é de R$ 88 bilhões.”Se colocarmos nesta conta o processo de desindustrialização de Minas após esta lei, nossa perda ultrapassa muito mais que os R$ 135 bilhões”, afirma Onofre. “Na verdade, quando se fala da reforma tributária e da renegociação da dívida dos estados, o que nós estamos discutindo não é só uma questão financeira, mas, na verdade, o pacto federativo. Após a Constituição de 1988, instalou-se um processo de centralização do poder em Brasília. Isso precisa ser debatido”, finaliza.
Fonte: DCI – SP (Paula Salati)